04/07/2008 13h34 - Atualizado em 18/08/2015 10h48

Caderno Especial (Jornal A Tribuna): Problema hídrico é desafio

Entrevista veiculada no último domingo (29), no Caderno Especial do jornal A Tribuna.

O ex-presidente da Cesan Paulo Ruy Valim Carnelli, que ocupa desde abril o cargo de secretário de Estado de Saneamento, Habitação e Desenvolvimento Urbano, liderou junto com funcionários e diretores da companhia de saneamento uma mudança de perfil e no desempenho da empresa.

Nesta entrevista, ele fala dos desafios da Cesan, como o problema hídrico, e diz que atividades de captação e tratamento de água e de coleta e tratamento de esgoto vão se tornar cada vez mais complexas.

– O Espírito Santo está fazendo o maior investimento em saneamento público de sua história. Vai resolver o problema?

Paulo Ruy – Estamos fazendo investimentos na ordem de mais de R$ 1 bilhão. Foram R$ 266 milhões até 2007 e conseguimos mais R$ 760 milhões para investir agora. Não só é a maior aplicação de recursos em saneamento na história do Espírito Santo como, sob o ponto de vista per capita, pode ser considerado um das maiores do País.

Os 12 anos de má-gestão do Espírito Santo, antes do atual governo, fizeram com que até mesmo em abastecimento de água a situação ficasse defasada. Com essas obras, até o final de 2008 vamos entrar na normalidade.

– Sem problema de água, então?

PR – Nos 52 municípios onde a Cesan atua, não existe problema de água. E, de uma maneira geral, de acordo com estudos feitos pela Companhia, até 2030 o abastecimento de água permanecerá estável. Mas é necessário dar continuidade às obras para garantir crescimento vegetativo a manutenção do sistema.

– E esgoto?

PR – As obras de esgotamento sanitário estão sendo realizadas de maneira significativa. Encontramos o Estado com 20% de esgoto coletado e tratado. Hoje, a Cesan está com 36% do esgoto nesta situação. No Brasil a média é de 30%. É importante destacar que estamos falando de esgoto tratado em estações de tratamento, e não podemos incluir neste percentual, as fossas sépticas residenciais, por exemplo.

– Há uma previsão para se chegar a esses 100% de esgoto tratado?

PR – Nossa meta é alcançar, até o final de 2010, o índice de 60%. Além de deixar o Estado em uma situação privilegiada em relação ao resto do País. Nós também deixaremos um Plano Diretor de Esgoto para que esse índice atinja os 100%.

Esse plano que deixaremos é bastante ousado. Se o Espírito Santo tiver mais dois mandatos no padrão deste governo, que continue a priorizar o assunto, o Estado certamente atinge acima de 90% em 10 anos.

– Por que o saneamento, sendo tão importante para a saúde pública, recebe tão pouca atenção?

PR –É fácil explicar por que o esgoto, para muitos governantes, não é prioridade. As obras são difíceis, causam transtornos durante a execução e são mais caras, pois é preciso que sejam feitas escavações mais profundas que as de tabulação de água. A operação e a manutenção também possuem custos altos e, para os olhos da população, desaparecem depois de prontas.

– E a sociedade, não pressiona?

PR– A população sabe da importância do esgoto tratado, mas tem dificuldade de entender que é preciso pagar por esse serviço. As obras de construção de uma rede de coleta, o funcionamento e a manutenção dos sistemas de tratamento que vão devolver para a natureza a água sem impurezas, geram custos altos para a empresa que executa esses serviços.

O esgoto é um serviço público que causa um enorme bem ao coletivo, mas que no dia-a-dia muita gente nem se lembra que existe. Ou desconhece a real necessidade da sua implantação.

– O preço do esgoto é cobrado de que maneira?

PR – É cobrado junto com a conta de água. O esgoto é um serviço que custa mais caro. Mas, apesar disso, tem um valor mais baixo. A Cesan divide o preço em quatro categorias pela classe de renda: social, popular, padrão e padrão superior. Essa divisão é em função da característica do imóvel. No social, o esgoto custa mais ou menos 38% da água; no popular 57%, e no padrão e padrão superior custa 76%. A tabela com esses valores está disponível no site da Cesan.

– A Cesan pretende ampliar a atuação nos outros municípios do Estado?

PR – Em janeiro de 2007 foi promulgada a Lei do Saneamento(11.445), que estabelece as diretrizes e políticas do saneamento básico no País. Em função disso, precisamos criar a nossa lei aqui no Estado, e já estamos trabalhando para isso.

Além de cuidar de 52 municípios, estamos nos preparando para ter um diagnóstico das outras cidades capixabas e até mesmo ampliar a atuação da Cesan para os municípios que assim desejarem.

Nós entendemos que essa atividade de captação e tratamento de água e coleta e tratamento de esgoto vai se tornar cada vez mais complexa com o crescimento e adensamento urbano, a necessidade de buscar por rios mais distantes e as exigências ambientais.

Uma empresa bem estruturada fará melhor esse serviço. Mas isto não será imposto, será disponibilizado. Os municípios vão decidir se passam para a Cesan ou não. O Estado está preocupado em garantir a sustentabilidade do serviço de água e a implantação do esgoto tratado onde não existe.

– A verba já foi liberada, algumas obras foram entregues, outras estão em andamento ou serão realizadas até 2010. A Cesan já pensa nos próximos desafios?

PR – O problema hídrico é um desafio. O Espírito Santo não é rico em recursos hídricos. O único rio de grande porte que temos é o Rio Doce. É importante que a sociedade participe do processo de recuperação dos rios. Se continuar nesse nível de agressão, poderemos ter dificuldades no futuro. A função de cuidar dos rios é de toda a sociedade, através dos comitês de recursos hídricos, conforme prevê a Lei Estadual de Gestão dos Recursos Hídricos 5.818/98, assim como a Lei Federal (Lei 9.433/97).

Veja a entrevista publicada





– O que tem sido feito para evitar que isso ocorra?

PR – O Espírito Santo, por meio da Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Seama) e do Instituto Estadual de Meio Ambiente (Iema), está desenvolvendo estudos e projetos, como o “Floresta para a Vida”, de reflorestamento nas bacias dos rios Santa Maria e Jucu, e “Produtores de Água”, que prevê o pagamento aos produtores rurais para aqueles que cuidarem das nascentes e da recuperação dos rios.

O governo faz um esforço grande, mas não é o dono dos rios, que vão se formando e passando por terras particulares, inclusive. Participamos dos comitês das bacias hidrográficas e nosso investimento em comunicação é fortemente voltado para que as pessoas se sensibilizem e entendam a necessidade e a importância de usar a água sem desperdício e cuidar dos recursos hídricos.

– Qual o impacto da poluição dos rios para o consumidor final?

PR – Com o processo de tratamento realizado, asseguramos que o consumidor vai continuar recebendo uma água de excelente qualidade, mas o custo aumenta. Quanto mais poluição e assoreamento, mais produto químico é necessário para tratar a água, e em determinadas cidades é preciso buscar o recurso hídrico mais longe, o que implica em mais gasto com mais tubulação e mais energia.

Infelizmente, a tendência futura, se perdurar esse processo de agressão aos rios, é que o custo para buscar a água aumente progressivamente.

– A água vai valer ouro...

PR – Não digo que vai valer ouro, mas vai acontecer como aconteceu com o petróleo, que encarece a cada dia. Hoje, mil litros de água da Cesan custam, em média, R$ 1,60. Isto é um valor baixo. Água tratada é o produto essencial mais barato. A realidade é que o consumidor não paga pela água, e sim pelo tratamento e distribuição dela. Além disso, à medida que as cidades vão crescendo, a prestação desse serviço vai ficando mais cara. Em Vitória, por exemplo, temos 119 bombas espalhadas para levar água aos morros. Tudo isso com motor, consumindo energia elétrica.

– O esgoto também é um desafio?

PR – Sim. No governo Paulo Hartung foi estabelecido que o saneamento é prioridade. Como já disse, o total de investimentos já soma mais de R$ 1 bilhão. O governo tratou com seriedade e deu prioridade ao assunto.
Mas é necessário manter o nível de investimento e avançar no uso mais correto da água e no tratamento de esgoto por todo mundo: agricultor, empresas, famílias, cada um de nós.

É importante fazer com que a sociedade entenda que água e esgoto fazem parte do mesmo ciclo, e que temos que conviver e cuidar mais e melhor dos nossos recursos hídricos que não são abundantes. E, sobretudo pensar nas gerações futuras.

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